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Entrega da sinopse do samba-enredo da Mangueira
Lucia Mello em 24 de Maio de 2016
A Estação Primeira de Mangueira entregou a sinopse do enredo de 2014 na noite desta quinta-feira, 27 de junho. Escrito a quatro mãos pelo jornalista Osvaldo Martins e pela carnavalesca Rosa Magalhães, o enredo "A festança brasileira cai no samba da Mangueira" celebrará na Sapucaí grandes festas realizadas em diversas regiões do país e o espírito irreverente do povo brasileiro. Festividades de origem cultural, folclórica, religiosa e até pela diversidade sexual farão parte do desfile.
Logo na abertura, a Verde e Rosa retratará uma festa inusitada: a que a tripulação de Pedro Álvares Cabral fez junto com os índios, relatada por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de caravelas do descobridor português. Entre as festanças retratadas no enredo estão o congado, o dia de Iemanjá, a 'Festa da Uva', as festas juninas, o bumba-meu-boi do Nordeste e o boi-bumbá de Parintins, a Parada Gay, o réveillon e o Carnaval. Na última parte, serão homenageados "sambistas imortais".
"Este é um enredo com a cara da Mangueira. Que Deus ilumine os compositores para que tenhamos um grande samba", convocou o presidente Chiquinho da Mangueira. Rosa Magalhães fez coro. "Espero que os compositores façam um samba lindíssimo, que seja o melhor do ano, se Deus quiser", falou a carnavalesca. "Dizem que a arquibancada é fria, não participa, mas não se consegue isso se a música não cativar o público, se não tiver gente cantando, dançando e feliz", analisou.
Cronograma e regras - A disputa de sambas-enredo na Mangueira também está aberta a compositores de fora da agremiação. As parcerias devem ter no mínimo dois e, no máximo, seis autores. A inscrição deve ser feita durante a semana, de 18h às 21h, até o dia 5 de julho, na Vila Olímpica da Mangueira (rua Santos Melo, 73, no Rocha). Cada integrante da parceria deve pagar R$ 100 e, caso seja da ala de compositores da Mangueira, R$ 80.
As composições devem ser entregues até o dia 6 de agosto, com cinco cópias em CD e trinta com a letra impressa. A disputa começa no dia 10 de agosto, data em que a Estação Primeira de Mangueira reabre sua quadra, após reforma e modernização. A final está marcada para 12 de outubro.
Confira a sinopse:
"A festança brasileira cai no samba da Mangueira"
Salve o povo brasileiro, que dá duro o ano inteiro pra poder comemorar. Até na prece não esquece de mostrar sua alegria. Faz da vida fantasia, espanta a dor com maestria, não se vexa nem se aperta, liga a chave de alerta e cai no samba noite e dia. O mundo fica admirado e com o olho arregalado sempre diz: não existe outro lugar, nem carece procurar, com um povo tão feliz.
O Brasil é uma festa sem hora pra acabar - o negócio é festejar. Festa grande, multidão. Festa ao vivo na televisão. Abram alas pra Mangueira, pra festança começar.
Como diz Pero Caminha em sua carta inaugural, relatando o desembarque da esquadra de Cabral, o que se viu foi uma festa - a primeira, neste solo tropical. Ao som de um tamboril, precursor da bateria, um pouco de Brasil despertou naquele dia. O festejo noite a dentro de chegados e locais teve baile e cantoria num embalo musical. Foi a pedra fundamental do país do Carnaval.
Ninguém diz com precisão, mas na imaginação dá pra ver a patuscada. No auge da noitada, Cabral põe seu dobrão de lado, dança como Delegado e comanda a batucada.
A dança ritual do habitante local faz a fila, um a um, sem contato pessoal. Mas Diogo e seu gaiteiro botam fim na solidão. Quebram o gelo da distância, chamam o índio para a dança e seguram sua mão. Esse gesto tão singelo num zás criou o elo que selou o bem-querer. E a festa rola animada na mata enluarada até o dia amanhecer. Bendito este lugar, a Terra de Vera Cruz. Que nasce a dançar, e cantar, afagado pela lua e banhado por sua luz.
A festança brasileira cabe inteira no samba da Estação Primeira
Mas logo o branco impõe seu jeito, importado e contrafeito. Canto triste e oração era tudo que podia, nem pensar em alegria, ao andar da procissão. Na treva medieval imperava o reino da sisudez: cavaleiro de libré, e o asno com seu jaez. Durou pouco, felizmente, para o bem da nossa gente, essa quadra da História. O negro escravo com seu canto traz de novo todo o encanto que estava na memória. A cultura africana, de forte raiz tribal, faz então o contraponto da linhagem imperial.
Chico Rei é coroado, em Vila Rica aclamado, como no Congo seria. Nasce então o Congado, até hoje celebrado com teatro e cantoria. O povo se contagia, mão no terço outra na guia, a vida vai melhorar. Bota fé no sincretismo, e sem perder o misticismo junta santo e orixá.
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O sincretismo é parceiro desse jeito brasileiro de acender as suas velas - de todas as fés, e todas tão belas! No ponto e na oração, como manda a tradição, dois de fevereiro tem regata em procissão. Logo cedo de manhã, nesse dia, na Bahia, a rainha é Janaina. O povo reza pra santa mas lança oferendas ao mar, em louvor a Iemanjá. Está no seu DNA.
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De norte a sul, de lado a lado, festa do boi e Congado, festa de santo e xaxado, o povo leva o seu refrão. Faça sol ou caia chuva tem no sul Festa da Uva - e dá-lhe feriadão!
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O São João do Nordeste arrasta multidões. O céu fica pintado de estrelas e balões. A moça dança quadrilha com o seu cara-metade, depois clama a Santo Antonio por um noivo de verdade. Campina Grande, Caruaru, Mossoró, Aracaju, sem falar da velha Assu de antiga tradição. Tapioca e arroz doce ao lado da fogueira e a caneca de quentão pra durar a noite inteira.
A Mangueira está em festa como nunca vi assim. Vem pra Mangueira, vem, vem pra Mangueira, sim, mas tem que respeitar meu tamborim.
É matraca, é zabumba, é boi pra todo lado. De Pernambuco ao Maranhão o boi é venerado. Catirina come a língua e provoca confusão, mas o boi se reanima e pede comemoração.
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Até na selva brilha a luz da cultura popular. Parintins é um milagre que me custa acreditar. O artesanato da floresta faz da festa um boi de criatividade que divide a cidade. É Garantido, é Caprichoso, a maior rivalidade.
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Com a alma repleta de amor - e bom humor - lá vem ela com seu charme natural, pintando o Arco-Iris no meu Carnaval. Não podia faltar, eu sei, e é por isso que eu convidei o pique da moçada da Parada Gay.
Para acelerar meu coração, hoje eu me acabo na paixão, quero transpirar felicidade - e viva a diversidade!
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Altiva, garbosa, vem chegando a Verde e Rosa, cada dia mais bonita. Desfilando, toda prosa, sua alegria infinita.
E quando o ano termina a galera de branco se anima num clarão monumental. O réveillon anuncia que mais dia menos dia chega outro Carnaval.
Nada se compara, no mundo inteiro, ao Carnaval do Rio de Janeiro.
A multidão invade a rua, que é sua, revivendo velhos carnavais. Com saudade das Grandes Sociedades, e do corso que não tem mais.
Salve o Carnaval de rua e o Cordão da Bola Preta! Salve o bloco e o folião que desdenha a aflição e segura a chupeta.
Glória a todas as Escolas e seus sambistas imortais. Seu reinado nesta sagrada pista não acaba, não se encerra. Dura enquanto houver aqui, na Sapucaí, o maior show da Terra.
Só que a festa continua, para toda a eternidade. O que não falta é alegria e amor nesta cidade!
Osvaldo Martins
Glossário:
Diogo Dias é o almoxarife da esquadra de Cabral que ensinou os índios a dançar de mãos dadas.
Libré, uma vestimenta europeia solene.
Jaez, um enfeite para a cabeça do asno (burro, jegue).
Catirina, escrava, grávida, tem o desejo de comer a língua do boi sagrado, que ressuscita - e começa ai a Festa do Boi.