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Vannick Belchior em "Concerto a Palo Seco
Redação em 14 de Julho de 2025
Antônio Carlos Belchior escreveu um capítulo raro dentro da história da música brasileira. Cearense de Sobral, ele largou o seminário e a faculdade de medicina para se aventurar no mundo como artista. Para a época, fim dos anos 1960, início dos 1970, a palavra era essa mesmo: aventurar-se. A grana era curta, foi preciso dividir morada com muitos amigos, disputas surgiram, mas ele venceu. Foi reconhecido por intérpretes do nível de Elis Regina, Claudya e Ney Matogrosso, fez fama, gravou sucessos, virou sex symbol, lotou estádios, ganhou dinheiro.
Eis que, em algum momento, ele largou tudo isso e saiu pelo mundo em busca de algo que só ele sabe o que era. Foi perseguido por jornalistas, foi alvo de piadas, teorias da conspiração, virou meme e encerrou a conversa de forma abrupta e dramática: morreu em 30 de abril de 2017, calando a boca de uma nação que redescobriu sua obra após tantos episódios improváveis. Em 70 anos de vida e cerca de 45 de carreira, Belchior deixou como legado uma obra costurada com fios de poesia concreta, música pop, bolero, rock, erudição, Fernando Pessoa, Olavo Bilac, John Lennon e Angela Maria.
Outro legado que ele deixa, e certamente o mais valioso, é Vannick de Souza Belchior, sua filha. Foram cerca de 10 anos de convivência, tempo suficiente para ela ouvir do pai inúmeras vezes: "essa vai ser cantora". Ela também dizia isso, ainda mais por ter acompanhado Belchior tantas vezes em shows e programas de TV. "Eu era muito criança, não tinha ideia do que era aquilo. Eu só tinha ideia de que o meu pai era diferente", conta ela anos depois.
Se a decisão de Belchior de se afastar foi um turbilhão para a filha, a música era o que faltava para reaproximá-los. Decidida a seguir na mesma estrada, Vannick Belchior mergulhou na obra do pai e foi em busca dele, de si e da música. Assim nasce o show "Um concerto a palo seco", mesmo nome do disco que Belchior lançou em 1999. Seguindo o formato do original, o show que ela estreia este ano é um trabalho acústico, intimista, acompanhado apenas pelo violão de Lu D'Sosa. "Apenas" nem é a palavra ideal, uma vez que estamos falando de um músico, produtor e compositor dos mais experientes do Brasil – e que já acompanhou, entre tantos outros, o próprio Belchior.
Neste "Concerto a Palo Seco", Vannick abre com a belíssima balada "De Primeira Grandeza", registrada originalmente no álbum "Melodrama" (1987). Daí ela segue entre sucessos obrigatórios, canções menos celebradas, lados B, sempre agarrada a um fio emotivo que une admiração pelo compositor e aproximação com a figura paterna. "Além de ouvir a música dele, os discos dele, ele também me trouxe muitas boas referências. Desde criança eu sou apaixonada, completamente entregue para a música popular brasileira. Ele me trouxe muito isso, aquela música de Elis Regina, Milton Nascimento, João Bosco... O aprendizado já começou daí. E, dentro da obra do meu pai, eu aprendo para o meu dia a dia com a essência da letra dele. Não é exatamente o que ele diz, ao pé da letra, mas é a intenção do que ele quis dizer".
Uma curiosidade: até 2020, Vannick Belchior estava muito certa de que seguiria o caminho do direito e que cantar foi só um sonho de criança. Mas, faltando poucos meses para o mundo ganhar uma nova advogada, ela encontrou o músico Tarcísio Sardinha, velho amigo de seu pai e um dos mais experientes e admirados da cena cearense, que a convida para fazer um show. O repertório não poderia ser outro: Belchior. Ela topou a aventura sem compromisso e, contrariando as próprias expectativas, a apresentação, que aconteceu numa cervejaria no dia 1º de agosto de 2021, reuniu um número enorme de fãs saudosos do compositor de "Sujeito de Sorte", "Paralelas" e "Velha roupa colorida". Era um sinal de que Belchior estava certo: Vannick seria sua filha cantora. Mais uma curiosidade: na época desse show, ela tinha 24 anos, mesma idade que seu pai tinha quando estreou na música.
Hoje, ela também tem certeza do que quer e dedica seus dias a cantar e manter viva a memória e a obra de seu pai. Principalmente depois de ver como ele foi tratado num período tão confuso e, em seguida, vê-lo tornar-se um "herói nacional", um artista de letras profundas e mensagens proféticas que tantas pessoas redescobriram e voltaram a cantar. "Quando o meu pai faleceu, que eu vi outras pessoas incessantemente regravando e cantando aquela coisa toda. Eu fiquei feliz. Eu pensei: 'cara, ele merece. Ele merece ser cantado, ele merece estar em cada esquina com alguém cantando mesmo a música dele, a obra dele. Ele merece esse reconhecimento'", afirma.
Mas Vannick não é mais uma a cantar Belchior nem seu tributo é mais um entre tantos. "Um concerto a palo seco" é uma reparação afetiva, uma reaproximação de pai e filha, o resultado de uma herança que vai bem além do cachimbo que ela ainda guarda com carinho como uma lembrança do homem que se emocionava quando ela estava em seu colo cantando "Medo de Avião".
E este é parte de uma série de projetos que ela tem em mente, onde se inclui um bloco de carnaval dedicado também às canções de Belchior. "Gente, meu pai nunca imaginou que ia ter um movimento desses no carnaval. Nem de carnaval ele gostava", ri Vannick que também pretende buscar outros compositores e, quem sabe, lançar as próprias composições. "Aí já é uma outra parte da bagagem e eu ainda estou entendendo o que eu tenho que fazer enquanto cantora, enquanto intérprete. O que é que eu posso fazer para me desenvolver dentro de um palco, que é um lugar para mim muito sagrado. É onde a magia acontece para mim. Por hora, vamos mostrar o que eu aprendi nos discos. Vamos mostrar agora o que é que eu tenho para contribuir", determina.
Marcos Sampaio é editor, repórter e crítico de música do caderno Vida&Arte (Jornal O Povo). Apresenta o quadro Discografia nas rádios Nova Brasil, CBN Fortaleza e CBN Cariri. É autor da biografia de Fausto Nilo (Coleção Terra Bárbara/ Ed. Demócrito Rocha) e pós-graduado em Semiótica Aplicada à Literatura e Outras Linguagens Artísticas com o trabalho "Discursos em Canções: Uma análise semiótica das relações entre o homem, a cidade e a sociedade em letras de música de Fausto Nilo". Como diretor musical, trabalhou em shows de Marcos Lessa, Lorena Nunes, Aparecida Silvino, Edmar Gonçalves, Edinho Vilas Boas e Isaac Cândido.
CONFIRA A AGENDA DE SHOWS:
08/08 – Mossoró – Centro de Cultura Banco do Nordeste
12/08- São Paulo – O Fino da Bossa (com participação da Roberta Campos)
14/08 – Santos – Quintal da Veia
15/08 – Mogi das Cruzes Galpão Arthur Neto de Cultura
17/08 - São Paulo – Tokio Marine Hall – Palquinho