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Quando o Racismo Estrutural Condena: Caso de Thiago Rodrigues Feijão
Redação em 24 de Junho de 2025
Por trás de processos judiciais, há vidas, famílias inteiras, sonhos interrompidos, nomes manchados injustamente. É o caso de Thiago Rodrigues Feijão, brasileiro, casado há 9 anos (mas há 15 anos com a mãe de seus filhos), pai de 3 filhos, respeitado e admirado por amigos e família, professor de educação física (Celso Lisboa), pós graduado em reabilitação e lesões de treinamento (UNIGUAÇU) com diversos alunos com total apoio e em discordância com a acusação, dono de pequeno comércio no Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Em 2015, ele foi condenado por crimes que afirma, com provas e testemunhas, jamais ter cometido. O que deveria ser apenas um erro judicial revela-se como sintoma de um problema muito maior: o racismo estrutural que permeia o sistema de justiça brasileiro.
• Thiago busca na Justiça a revisão de uma sentença baseada exclusivamente no reconhecimento fotográfico de uma testemunha — elemento considerado frágil por especialistas e que, anos depois, se mostrou impreciso.
• A revisão criminal está em curso. O objetivo não é reavaliar todo o conjunto de provas antigas, mas reconhecer, à luz de novos depoimentos, que houve um erro, e que esse erro precisa ser reparado.
Thiago foi acusado de participar de dois assaltos realizados nos dias 29 e 30 de maio de 2015, incluindo um latrocínio ocorrido em um hortifruti do bairro de Bento Ribeiro. Segundo a acusação, ele teria se associado a outros três homens que praticavam roubos na região. Contudo, Thiago sequer estava no local dos crimes.
Rotina incompatível com o crime - Na época dos fatos, Thiago afirma que estava na rotina de buscar a filha na escola e se preparando para assistir a uma luta do UFC em casa. No trabalho, testemunhas confirmam a versão: o fornecedor Edson dos Santos, por exemplo, relatou que falou com Thiago no dia 30, pouco antes de fechar seu comércio. Tendo a hora e testemunhas como parâmetro para ser incompatível de um possível deslocamento entre os dois bairros.
Além disso, Thiago possuía estabilidade financeira, com renda proveniente de aluguéis de imóveis herdados do pai, o que o afasta do perfil geralmente associado a crimes patrimoniais por necessidade. Desde jovem, trabalha nos negócios da família, além de ter seguido carreira como personal.
Um reconhecimento visivelmente falho, a condenação veio com base quase exclusiva no reconhecimento fotográfico feito por uma única testemunha. A foto usada no processo, segundo especialistas e análise dos autos, não possui a nitidez necessária para garantir uma identificação segura. Mesmo com a ausência de provas materiais e com o depoimento de Thiago sendo consistente desde o início, a justiça o sentenciou a uma pena severa, sustentada por um frágil alicerce de suposições.
· Muitas são as anuências que permeiam esse caso
No Acórdão de segunda instância, existe um voto de um desembargador que decide pela absolvição de Thiago. Em seu voto, ele deixa claro que não há provas nos autos para condenar.
"Divergi da douta Maioria, a quem sempre rendo minhas homenagens, por entender que insustentável se mostrou a manutenção do juízo de censura alcançado, também em relação a THIAGO e quanto à integralidade da imputação, porquanto o contingente probatório construído nos autos se mostrou fluido e imprestável à outorga da necessária certeza quanto à respectiva atuação na empreitada criminosa. - LUIZ NORONHA DANTAS - Desembargador Revisor - Vencido
No caso vertente, a vítima THIAGO DOS SANTOS GUTIERREZ (fls. 691), que teve seu carro subtraído durante a fuga dos implicados do local dos fatos, um hortifrúti – inobstante tenha asseverado que reconhecia THIAGO como um dos rapinadores – afirmou em Juízo, inicialmente, que os implicados ali presentes "parecem" com os roubadores, valendo destacar que, em sede policial, narrou que "não consegue lembrar bem dos rostos dos indivíduos" (fls. 82/83).
O desembargador em questão continua de forma taxativa, alegando inclusive a possibilidade de criação de falsas memórias, em razão da forma em que se procedeu o reconhecimento, vejamos trecho a seguir:
Na mesma toada, a vítima e funcionária do hortifrúti, LUCIANA OLIVEIRA DA SILVA (fls. 694), em sede policial, estabeleceu, a partir de uma filmagem das imagens de um roubo ocorrido em um salão de beleza um dia antes daquele do qual foi vítima, que um dos indivíduos captados pela câmera do salão seria um daqueles que participaram da empreitada criminosa ocorrida no dia 30.05.2015 no interior do hortifrúti. Ocorre que a imagem (fls. 215) apontada por LUCIANA, como aquela em que reconhece seguramente THIAGO, mostra-se visivelmente incapaz de propiciar qualquer reconhecimento seguro e de quem quer que seja, o que, somada ao fato de que a apresentação daquela filmagem de um delito patrimonial pretérito pode ser considerado como criador de uma "falsa memória", por indução dirigida, retira, em ambas as sedes procedimentais, a seriedade e a condição de certeza na identificação realizada por aquela quanto ao Recorrente THIAGO como sendo um dos autores dos delitos em questão.
Ademais a testemunha EDUARDO SANTOS OLIVA (fls. 851), pai de um menino que era da sala da sua filha na época, lembra da conversa com ele na porta da escola. Asseverou em juízo que no dia 30.05.2015, por volta das 17:15, o implicado THIAGO, quem costumeiramente buscava a filha no colégio, rotina esta judicialmente confirmada pela testemunha REGINA FAILAZ ALEXANDRE (fls. 850), coordenadora do Colégio Araújo Rocha. Destarte, e a partir deste panorama, outra solução satisfatória não se perfilou como presente além do desfecho absolutório, que ora se adota, com fulcro no disposto pelo art. 386, inc. nº VII, do C.P.P".
A peça-chave da reviravolta no caso surgiu quase dez anos depois, durante uma ação de produção antecipada de provas. Uma testemunha, que vamos preservar o nome, ex-companheira de um dos verdadeiros autores do crime, identificou com segurança o rosto de outra pessoa, como sendo o homem que aparece na imagem antes atribuída a Thiago. A semelhança entre os dois teria confundido a testemunha inicial — um erro grave com consequências irreparáveis.
No procedimento que produziu esta prova nova, os advogados de defesa solicitaram que a testemunha chave da condenação prestasse novo depoimento e se confrontasse com a nova testemunha. O que foi negado pela Juíza responsável.
Para os advogados de defesa, Carlos Nicodemos e Rodolfo Xavier, a situação é emblemática que denota mais uma vez um Sistema de Justiça operando na lógica do racismo estrutural.
"Thiago foi preso e condenado tomando-se em conta a sua cor! Isso é reflexo de um Sistema que ainda prende, processa e julga com base em provas contaminadas por uma presunção racista. Quando uma foto embaçada pesa mais que a palavra de um pai de família com álibis e provas testemunhais, há algo muito errado que precisa ser corrigido", apontam os advogados.
Uma vida que foi interrompida por um sistema que ainda falha em enxergar a humanidade em corpos negros. Consequências profundas marcadas na alma e na história dessa família. Foram anos marcados por sofrimento, estigmatização e perda de liberdade. Punido por algo que não fez. Seus filhos crescem sem o pai presente. Sua família foi condenada junto com ele.
Enquanto o caso aguarda julgamento, o processo de revisão criminal se torna também um símbolo da urgência por mudanças no sistema penal brasileiro. O reconhecimento facial — ainda amplamente utilizado como prova — tem sido alvo de críticas por sua imprecisão e por gerar condenações indevidas, especialmente entre pessoas negras. O caso Thiago é mais do que um erro judicial. É o retrato de um sistema que precisa, urgentemente, se reavaliar.
A ocorrência de Thiago não é isolada. Estudos demonstram que pessoas negras têm maior probabilidade de serem presas preventivamente, de serem condenadas com base em testemunhos frágeis, e de serem esquecidas em processos que muitas vezes ignoram provas de inocência.
O racismo estrutural não precisa gritar — ele atua em silêncio, nos autos empilhados, nas rotinas automatizadas de um sistema que, muitas vezes, não enxerga o indivíduo por trás do réu.
"O racismo estrutural está enraizado nas relações sociais cotidianas e passou a dar credibilidade para atos de violência e exclusão.", afirma o Pós - Doutor Babalawô Ivanir dos Santos - Professor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ).
SUIMEI CAVALIERI - Desembargadora Relatora
REVISÃO CRIMINAL
nº 0102323-44.2024.8.19.0000
REQUERENTE: THIAGO RODRIGUES FEIJÃO
ADVOGADO: CARLOS NICODEMOS OLIVEIRA SILVA
ADVOGADO: RODOLFO DOS SANTOS XAVIER
ORIGEM: JUÍZO DA 16 VARA CRIMINAL; 7ª e 8ª CÂMAR