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Em Cima da Hora divulga enredo e sinopse para o carnaval 2023
Redação em 08 de Agosto de 2022
SINOPSE DE ENREDO – GRES. Em Cima da Hora / 2023
Esperança, presente!
“Eu Sou hua escrava de V.S administração do Cap.am Antoº Vieira de
Couto, cazada. Desde que o Cap.am pª Lá foi administrar, q. me tirou
da Fazdª dos algodois, onde vevia co meu marido, para ser cozinheira
da sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. há grandes
trovoadas de pancadas enhum Filho meu sendo huã criança q lhe fez
estrair sangue pella boca, em min não poço esplicar q Sou hu
colcham de pancadas, tanto q cahy huã vez do Sobrado abacho
peiada; por mezericordia de Ds esCapei. A segunda estou eu e mais
minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e
duas mais por Batizar. Pello ã Peço a V.S pello amor de Ds e do Seu
Valim ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Porcurador
que mande p. a Fazda aonde ele me tirou pa eu viver com meu marido
e Batizar minha Filha.
De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia”
(6 de setembro de 1770)
A terra rachada como testemunha do Brasil da desonra: correm pelas veias dos
rios, das matas e das fazendas a covardia da escravização. O terror branco que deixou
nossa história podre e carcomida. Corrompeu pelas frestas da Capitania do Piauí
setecentista o alvo flagelo contra corpos negros sequestrados, africanas vivências que
lutavam diante da dor, jamais se curvando a qualquer senhor. Donas de si, negras e
negros que resistiam. Existiam. Existem.
E lá por aquelas bandas esquecidas, entregue aos desprezíveis opressores e à
vergonha dos grilhões, brotou Esperança. Nasceu Esperança. Dela, Orixá cuidava.
Amparava-a com o machado da justiça. A filha nunca esquecida! Xangô do trovão
contra injustiças, da brasa e da lava viva do vermelho do sangue dos corpos que são,
estava lá, com ela. Xangô, justiceiro e guerreiro, dando seu Axé à preta cujo destino era
esperançar todas as vidas negras. Guerreira que cresceu e aprendeu a ler e a escrever na
Fazenda Algodões dos jesuítas, mesmo com o trabalho duro da roça, que deixava as
mãos lanhadas pelo capim da terra seca. Trabalhava no pasto do gado, nas plantações,
na casa, fiando algodão e o seu destino. Vivia na pobreza e na dureza, corpo sem
descansar no chão batido, porém usava a sabedoria contra as dores da labuta imposta.
Mulher, mãe, preta, escravizada! Esperança com tinta nas mãos e a pena como lança! O
saber como arma! Kaô Kabecilê! Salve o Senhor da Pedreira e a defensora Esperança
Garcia, labareda do fogo da justiça de Xangô!
Quando então um marquês expulsou os jesuítas, ela foi levada por um capitão.
Agora escravizada em outra fazenda da Inspeção de Nazaré, separada à força do marido
e dos filhos maiores, mais tortura em seu corpo, enquanto ela trabalhava na residência
colonial como cozinheira, na rica cozinha... dos outros. A violência contra sua pele,
carne e alma. Os rasgos das feridas. Esperança nunca com a cabeça baixa e o feitor que
a peava. E a ira veio das entranhas, da força da ancestralidade: justiça! Eis a imposição!
Não é não! Trovões de pancadas que virariam trovões de Esperança, da mulher que não
desiste, que se levanta contra a violência! A mulher que é resistência, que fez a
resistência, uma voz para múltiplas vozes, a fúria para fazer valer a sua vontade!
Esperança agoniza, mas não morre, brada! E ela escreveu para batalhar pelos
seus. Escreve, Esperança, Tu que és verbo vivo da justiça de Xangô! Naquela realidade
brutal onde pessoas negras não tinham acesso à educação, Esperança Garcia fez valer
sua inteligência e nenhum doutor com ela se criou! Gritou, com palavras no papel, a
carta ao governador, denunciando as torturas contra os negros – “Eu sou uma escrava de
Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde
que o capitão lá foi administrar que me tirou da Fazenda Algodões, onde vivia com o
meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal”. Exigiu
justiça. Peticionou seu desejo com coragem, ousadia e força para resistir – “A primeira é
que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez
extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas,
tanto que caí uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei”.
Usou a religião e pediu até o batismo da filha, além de confissão para ela e suas
irmãs, tudo para vencer a tirania – “A segunda estou eu e mais minhas parceiras por
confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar”. A carta que virou
símbolo de justiça, a carta que é o verdadeiro direito. A preta que lutou, reconhecida
como a primeira advogada do Piauí, de punho erguido contra os opressores. Esperança é
viva na bravura de denunciar o sofrimento com palavras – “Peço a Vossa Senhoria pelo
amor de Deus ponha aos olhos em mim ordenando, digo mandar ao procurador que
mande para a fazenda de onde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha
filha”.
Então, escreve, Esperança, por favor, escreve! Naquele fim de mundo, escreve!
Letras eternas que deram o primeiro sopro de vida à Literatura Negra brasileira.
Esperança viva nas suas escrevivências, fiando uma guia para Conceição. Esperança
para todas as Marias, a voz da dignidade ressoando nas páginas da dos Reis e na vida
nobre da de Jesus, juntas através das letras esperançadas! Esperança nos cadernos
negros das páginas do Brasil, a alma jamais escravizada! Esperança para lembrar de
lutar e reiterar que a justiça é a pedagogia do Esperançar.
Eis que chegou a hora de soltar o grito! De escreviver Esperança Garcia na
Sapucaí! Em Cima da Hora, chegou a hora de Cavalcanti girar no Axé da mulher que
jamais fraquejou! Sempre e para sempre, é tempo de exaltar a força das mulheres negras
que pariram este Brasil! Então, gritemos nosso Azul e Branco na Avenida! Morro da
Primavera, ergamos o punho com respeito e garra, e, sem medo, vamos em frente:
– Esperança, presente!
Carnavalescos: Marco Antônio Falleiros e Carlos Eduardo
Enredistas, Sinopse e Pesquisa: Victor Marques e Clark Mangabeira
Referências bibliográficas:
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mensagem de coragem, cidadania e ousadia. Universidade Federal de Pernambuco.
Ministério da Cultura. Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo. Porto Alegre: 2015.
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Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
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MOTT, Luiz. Piauí Colonial: população, economia e sociedade. Teresina: FUNDAC
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de 2019.