NOTÍCIAS / Tudo sobre Samba
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Divulgado a sinopse do GRES São Clemente
Lucia Mello em 04 de Junho de 2014
A incrível história
do homem que só tinha medo da Matinta Perera, da tocandira e da onça pé de boi.
Em Rio Branco era assim, um florestão envolvendo a cidade.
Ninguém adentrava
na mata – “Tá doido seu?” Era habitada pela bruxa Matinta
Perera, que calava o
uirapuru mas que sumia com a chuvarada, por um bicho brabo,
o gogó de sola, de
dentada perigosa feito cobra, pela formiga tocandira, pela
onça do pé de boi, que
todo mundo jura que existia, com pé de boi e tudo. Pois foi
lá nesse lugar tão longe
que nosso personagem passou a infância.
Foi crescendo até que um dia chegou a hora de voltar para o
Rio de Janeiro, sua
terra natal e onde passaria o resto de sua vida.
No Lido é que começou a brincar carnaval, ouvindo “Mamãe eu
quero” e
“Touradas em Madri”. O bloco de sujo de que fazia parte
ensaiava no cemitério. A
molecada se encontrava perto da quadra IV, que ainda estava
em construção, e os
defuntos ali enterrados não reclamavam do barulho.
“A avenida Rio Branco era um deslumbramento só” – mão dupla,
tudo
decorado, cheia de grupos fantasiados. Entre os carros,
desfilavam os cordões,
grupos e blocos com muitos pierrôs, arlequins, tiroleses,
holandeses e muitas
colombinas também.
Passa o tempo, passa a guerra, passa a ditadura de Vargas, o
tempo vai
correndo e nosso herói vai se tornando mais adulto e mais
valente. Essa avenida
Rio Branco, dos desfiles carnavalescos, era a mesma que
abrigava o Teatro
Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu e a Escola de
Belas Artes. E lá foi ele,
atraído pelas artes, para a tal escola, e também para o
teatro, onde trabalhou
por muito tempo. Foi desse local, numa janela do andar
superior, seu camarote
exclusivo, que viu pela primeira vez um desfile de escola de
samba, com Natal
reclamando e a Portela evoluindo, alí , naquela mesma
avenida.
Um dia, foi convidado para fazer parte do júri das escolas
de samba. Aceitou.
E foi também na Avenida Rio Branco que, encarapitado num
palanque de
madeira, viu um desfile bastante sui-generis. “A primeira
escola quebrou o eixo
do carro... Que entre a segunda.... Mas a segunda só
entraria se a primeira
entrasse.... Então que entre a terceira... E nada da
terceira, e nada da quarta
também – Às onze e meia da noite, chega alguém avisando que
a quinta iria
desfilar – até que enfim...”
A quinta era o Salgueiro, apresentando enredo sobre Debret –
o que cativou
nosso jurado: em vez de “Panteão de Glória”, “Batalhas de
Tuiuti”, etc., cantava
um artista – Debret.
Foi desse dia em diante que nosso personagem tornou-se
carnavalesco e
salgueirense – as cores vermelho e branco ainda por cima o
remetiam ao time de futebol lá do Rio Branco, quando ainda era menino.
Não esperava receber o convite para desenvolver o enredo
para o Salgueiro,
no ano seguinte. Escolheu a resistência negra durante o
período da escravidão,
Nzambi dos Palmares, ou Zumbi dos Palmares, assunto que não
era focalizado
pelas escolas. Virou filme, e Zumbi hoje é símbolo de
resistência.
Descobriu para o povo não só o Nzambi como Xica da Silva
(foi um estouro!!),
Aleijadinho, e acabou desencavando um enredo sobre uma
visita de um rei negro a
Mauricio de Nassau – cuja música foi cantada não só no
carnaval como em estádios
de futebol, casamentos, e até hoje faz sucesso – Olêlê,
Olálá, pega no ganzê, pega
no ganzá...
Apesar das vitórias, havia uma certa crítica negativa a ele,
dizendo que não
se deveria interferir numa manifestação popular. Tinham
esquecido que, desde
a década de 40, as escolas contratavam artistas eruditos e
profissionais para
realizarem seus enredos.
No ano do IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, o tema
escolhido foi
“História do Carnaval Carioca”, que retratava o carnaval
carioca e o baile dos
pierrôs, produzido por Eneida todo ano. Jogaram muito
confete e serpentina
durante o desfile, e os garis estavam esperando o Salgueiro
sair da avenida para
limpar tudo antes do desfile da Portela. Provocativos, os
salgueirenses disseram
que aquela era a comissão de frente da Portela. Os
portelenses obrigaram os garis
a irem limpando a pista no final do desfile do Salgueiro. Foi
a apoteose – “Puxa,
não esqueceram nada, tem até os garis limpando o final da
festa!” Esses garis
foram aproveitados mais tarde pelo Joãozinho Trinta no seu
famoso desfile dos
Ratos e Urubus. Na época, João era aderecista e bailarino.
Acabou abandonando a
dança e tornou-se carnavalesco, mas esta já é uma outra
história...
O nosso herói fez outros carnavais vitoriosos. Depois,
passou a bola adiante e foi
se dedicar a vários afazeres nas TVs para as quais
trabalhava.
Um dia, cansado da vida, foi embora, acho que um pouco
contrariado, pois viver
foi sempre uma aventura que encarou sem medo.
Deve ter sido recebido por uma extensa corte – Nzambi,
Aleijadinho, Xica da
Silva e outros tantos negros e mulatos que fazem parte da
cultura deste país
mulato. Agitando bandeirinhas, eles gritaram em coro:
“Pamplona, Pamplona,
Pamplona....”
Rosa Magalhães

