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Conheça o enredo dos Acadêmicos do Salgueiro para o carnaval 2023. Delírios de um Paraíso Vermelho” é o primeiro tema que o carnavalesco Edson Pereira assina para a vermelho e branco
Redação em 30 de Junho de 2022
PRÓLOGO
No princípio era o verbo. E os verbos e as gírias estavam com o povo,eram o povo, que descia o morro para transformar a rua em palco. Artistas deuma opulenta ópera popular chamada escola de samba, regida por ummaestro/profeta que banhou de luxo a miséria e escancarou afliçõesescondidas em folhas de jornal.Pelas mãos do profeta João esfarrapados ganharam ar de nobreza eprotagonismo. Suas visões misturaram paraísos e infernos. Opostos que seatraem e se reinventam.O evangelho segundo o João do povo teve suas primeiras páginasescritas na Academia do Samba e pregou que a regra é ousar. Seus delíriosetéreos gozavam de intensa liberdade, não cabendo em si ou em julgamentosoutros. Sem proibição ou pecado — abolir o não, purgar os preconceitos. A arteé para fazer sonhar, riqueza que não cabe em uma caixa ou que possa estarencarcerada nos porões de mentes tacanhas.As epístolas deixadas ainda conduzem o reino do carnaval. Quemaprendeu em suas escrituras sabe bem que a alforria é soberana e que oencantamento e as inquietações provocadas pela criação e manifestaçãoartística são elementos fundamentais de sanidade, capazes de provar que afantasia é uma grande realidade.João 30:90DELÍRIOS DE UM PARAÍSO VERMELHOO misterioso pórtico ergue-se da página em branco do universo. Pordetrás de suas portas maciças, cuidadosamente entalhadas por nobre criador,a mais sublime obra de arte: as faces de um novo mundo. Superfície cobertapor jardins que atravessam o horizonte, contorno sem fim. Paraíso protegido,íntegro. Em uma exuberância desmedida brotam árvores, folhas e flores desuntuoso encantamento. Os frutos ostentam tenra suculência, despertamapetite inesgotável. Até onde os olhos alcançam tudo é deslumbrante.Frondosa e exótica, a natureza se impõe guardiã da sabedoria. O paraíso, aocontrário do que relatam os livros, se expande em tons de vermelho, em ricascores vivas, fortes e sedutoras, que tingem a terra e o céu.Entre barro e costela levantam-se as primeiras criaturas. Imagem esemelhança divina, testemunhas únicas a experienciar a excelência do Éden,os mistérios guardados no paraíso original. Adão e Eva, nativos afortunados,são retrato do bom selvagem, carregam em si a pureza em estado bruto, ainocência cercada de curiosidade. Cada descoberta é magnífica: tudo éestranho e familiar. No paraíso, o real e o fantástico se frequentam, o ventofresco tem perfume de liberdade. Os corpos dançam fluidos, percorrem oambiente livres para as ilusões.Vagueiam pelos campos sem contar que em sua sombra espia-lhes aira. Furtiva criatura a invadir sorrateira a calmaria do Éden. Dissimulada aosolhos e nas palavras, transfigura verdades e mentiras, destila veneno poderosoe ludibria talentosa a pureza nativa. Sedutora serpente de língua afiada, fazflorescer na mínima censura a mais tenra tentação. De tantas árvores e tantosfrutos, somente aquela, proibida, há de revelar os segredos da vida, depreencher a ignorância com sabedoria.No afã por intensidade, em uma mordida, o vermelho perde a cor, aexuberância míngua. No perigo maior do paraíso, a perda. Fruto dadesobediência, agora pecado original. O pórtico se fecha e o Éden esvanece.Paraíso perdido, herança primeira da humanidade, expatriada da perfeição porser facilmente corrompida.O ser humano é filho da queda, desorientado pela condenação aoslimites mundanos. Aqui na Terra, jardim dos exilados, o inferno são os outros.A cada juízo, uma condenação. Tudo é perversão e pecado. Tudo é proibido.Grandes olhos vigiam a vida dos outros e sentenciam à margem quem desafiaos “costumes”: exclusão, apagamento. A obediência anda incorporada naculpa.Quem há de ter pecado maior?Uma luta de vaidades se manifesta e entre a inveja e a ira os homens seafrontam. Onde antes dava valor, hoje boto preço. Vendo barato minhadignidade, pois meu paraíso são meus bens. Notícias de tempos corrompidos,dos prazeres da carne, da gula devastadora e da preguiça moral. Relatos deperíodos obscuros e frios.A esperança renasce na fé, na ponta da espada, duelo do bem contra omal. Na luta diária contra as cabeças de um dragão insaciável pelo sofrimento.Com a batalha armada, põe-se entre nós a cavalgada do fim dostempos. É ensurdecedor o som do galope austero dos cavaleiros do apocalipsese misturando nas ruas, despertando dores e espalhando terror. Vendem a pazque não queremos, propagam o conflito. Devastam, destroem, espalham aescassez e a fome. E nessa irradiação do caos, a morte é a verdadeanunciada.A velha barca para o inferno tem uma nova diretriz: a redenção vem paraos renegados. Os crucificados, os doloridos: uma multidão marginalizada aosolhos dos homens. Seus demônios caíram por terra.Louvados sejam os excluídos!Louvados sejam os rejeitados!A compaixão lhes aguarda no novo Éden. Reluz em tons fortes devermelho, renasce de amores e sonhos. Portas abertas a quem tem fome e sede de infinito. Entrem e sejam tomados pelo êxtase de um paraíso em festa,efusivo como uma interminável noite de carnaval. Lugar de desejos e dasindividualidades. Caldeirão de diversidade. Paraíso dos devaneios, daliberdade democrática das ruas, da comunhão entre todos, onde a fantasia semistura com a realidade. O que era aparente ilusão hoje alimenta os olhos,preenche do corpo à alma: a fartura, a união, o respeito. Ouse imaginar umparaíso “carnevale”, salgueirense, em que a celebração é a fonte da vidaeterna. No lugar das trombetas, tambores da Furiosa dão as boas vindas epedem passagem para toda a gente.Ainda que a mesma história fosse contada setenta vezes ou ilustradapor trinta mãos talentosas, seria difícil fantasiar esse lugar de reencontro com aliberdade, onde o pecado não mora mais ao lado, pois o sagrado e o profanose misturam, são tão mundanos quanto divinos, fontes de um mesmo criador.Apenas abra os olhos e flutue pelos encantos e delírios do novo paraísovermelho, pulsante como a Academia do Samba, viva de desejos e prazeres.Autoria do Enredo: Edson PereiraPesquisa e Desenvolvimento: Edson Pereira, Ruan Rocha, Lucas Abelha,Victor Brito e Departamento Cultural.Roteiro: Edson Pereira e Ruan Rocha