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ARRANCO LANÇA ENREDO PARA O CARNAVAL 2024
Redação em 10 de Julho de 2023
Em 2024, a agremiação azul e branca do Engenho de Dentro aposta num enredo afetuoso e que dialoga com sua própria territorialidade.
Apresentamos oficialmente o enredo para o Carnaval 2024. Com a intenção de criar um enredo afetuoso, carnavalizado e contar as histórias do seu lugar, o Arranco celebra – com todo seu amor – a doutora Nise e o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira que segue pulsando seu legado.
Esta extraordinária mulher brasileira é mundialmente reconhecida pelo papel revolucionário que desempenhou no campo da saúde mental. Sua psiquiatria rebelde centrada no afeto ecoou do Engenho de Dentro para o mundo! A homenagem é construída através de uma narrativa poética, um conto ficcional em que a própria Nise viaja no espaço-tempo em três quadros pintados pela história.
SINOPSE
Nise - reimaginação da loucura
Sou uma médica que aposta no poder da criatividade e tenho coragem para
navegar contra a corrente. Por não conviver com gente ajuizada, sempre acreditei
que para mudar a realidade é preciso se indignar e se contagiar. Certa vez ouvi que
as imagens tomam a alma da pessoa. O mundo é um infinito de imagens e toda
imagem é um infinito de mundos. Digo então a vocês: toda pessoa é um infinito de
mundos. Não pretendo dar conta de toda a loucura do mundo, afinal nenhuma
ciência é capaz de compreender a imensidão do universo de cada um. Mas a arte
tem o poder de expressar as imagens que nos habitam. Acredito que é preciso
imaginar: mostrar a imagem. A arte mostra a imagem e essa é a fonte para a
existência de outros mundos. É preciso reimaginar! Assim, pelas asas da invenção,
retorno ao Engenho de Dentro e caminho pelo Instituto que recebeu meu nome para
analisar três telas pintadas pela história.
Diante das ruínas de um tempo passado, no primeiro quadro observo a
mitológica figura do Caos: a imagem de um mundo de horror e brutalidade. Ela
representa a razão que não abraça as diferenças, sustentada pelas metálicas
grades que limitam a capacidade de criação, existência e liberdade. É um mundo
que provoca traumas. Quando o ego é estilhaçado em inúmeros cacos que não se
juntam mais, a aprisionadora razão costuma desumanizar a vida. Mas entre atritos e
choques de pensamentos, surge o arqui-inimigo do violento Caos: a mitológica
figura do Afeto! Ela traz consigo uma legião de rebeldes que lutam para fraturar a
realidade que impõe um único modo de enxergar a vida. Movidos pelo ideal de que
o Afeto pode desligar as máquinas da dor, decretam: “não aperto!”. Tal como um dia
eu mesma fiz. Quebram-se os cadeados, caem os muros, triunfam as ocupações de
uma revolução. Manicômio nunca mais! As imagens de novos mundos são
possíveis pela loucura de se rebelar contra um sistema.
Ao circular pelas salas do Museu, encontro no segundo quadro a produção
de outras consciências. O espaço imaginário constrói o espaço da realidade. A tela
em branco é como uma janela que dá vista aos conflitos que se dão no
inconsciente: é um território a ser habitado pelas mais diversas mitologias. Acredito
na abstração como um ponto de tranquilidade e refúgio. Distanciando-se das
traumáticas figurações do Caos, abstrair é tentar dar forma à linguagem dos
Cosmos. De início, avisto linhas avulsas, traços retos e curvos pincelados como
improvisações sobre as tramas. Me interesso também em ver as formas, os
contornos de uma geometria sensível que aproxima a razão e a emoção. Os
rabiscos performam as influências do mundo externo e as vivências internas que se
transformam através de cores que preenchem gradativamente a tela. Na circulação
dos saberes, os estilhaços são reorganizados em outras disposições. Cada parte,
redesenhada e colorida, é composta em círculos que encontram outros círculos para
formar uma singular ordenação cósmica. Vejo a mandala que resulta da busca por
uma nova unidade. Cada mandala é o alvorecer do desejo de se reintegrar na
existência de um outro mundo.
Pelas ruas do Parque, analiso o terceiro quadro como um emblemático
panorama que salta para fora da moldura: a alegria da socialização! A arte, em seu
papel de fixar significados, torna reais os universos imaginados. Como na ilusão da
avenida, a vida é toda imaginação. Assim como eu, milhares de rebeldes
reimaginaram a saúde mental. Para os caretas, fugir da realidade construída por
eles sempre será loucura. É nessa ousadia que nos unimos para a criação de
imagens afetivas do mundo em que queremos conviver. Nesta tela que é o
presente, ouço os ecos de uma “Insandecida” batucada que me conduzem a uma
“Loucura Suburbana” que transforma fantasias em realidade. Entre paetês e
tamborins, vibra uma comunidade que é todo afeto: toca, canta, samba e me
recorda de um saudoso “sonho meu”. Nosso chão dá lugar aos cosmos da folia. Em
um bloco carnavalesco que celebra a vida sem preconceitos, saímos em cortejo
pelas ruas do Engenho de Dentro até cairmos nos embalos de um Arranco que é
todo amor. Pela loucura da mitologia de Momo [afinal, que maravilhosa loucura
escrever um texto como se fosse a própria Nise da Silveira], fica a provocação dos
artistas: e se reimaginássemos o ano todo?
Carnavalesco: Nícolas Gonçalves
Texto: Cleiton Almeida
Pesquisa: Cleiton Almeida, Lana Cristina, Mauro Cordeiro, Nícolas Gonçalves
Presidente: Tatiana Alves
Vice-Presidente: Dona Diná
Presidente de Honra: Antônio Carlos Junior
CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Nise da Silveira: a revolução pelo afeto.
[Catálogo de exposição]. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2021.
DA SILVEIRA, Nise. Imagens do inconsciente: com 271 ilustrações. Editora Vozes Limitada,
2017.
DA SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. Paz e Terra, 2006.
DA SILVEIRA, Nise. O mundo das imagens. Editora Ática, 1992.
NISE da Silveira - Posfácio: Imagens do Inconsciente. [Documentário]. Direção de Leon
Hirszman, 1984-2014. 1 vídeo (80min).
STEIN, Murray. Jung: o mapa da alma. Editora Cultrix, 2004.