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  • Alegria do Vilar divulga sinopse para o carnaval de 2025.

    Redação em 09 de Julho de 2024

    ZÉ LOURENÇO: DO CALDEIRÃO DA FÉ À SEMEADURA DA VIDA


     JUSTIFICATIVA:

    Para o carnaval de 2025, o GRES ALEGRIA DO VILAR vai viajar pelo imaginário coletivo do homem sertanejo e contar a saga do povo nordestino e sua luta pelo direito sagrado ao pedaço de terra.

    Vamos celebrar a resistência, as manifestações culturais e religiosas, as festas, rezas e romarias de um povo que rasgou a terra com as próprias mãos e operou milagres no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, uma comunidade no sertão cearense liderada pelo beato José Lourenço no início do século XX que oferecia abrigo, alimentação, trabalho e refúgio espiritual aos flagelados da seca. A região, em pleno sertão do Ceará, era abastecida por um único poço: o "Caldeirão" e o trabalho era distribuído entre todos – sem exploração, o que causou a insatisfação dos poderosos da região. A chegada de um boi mansinho por aquelas bandas causaria um rebuliço sem precedentes e foi o estopim para a comunidade de trabalhadores rurais ser bombardeada em 1937 por aviões do governo brasileiro.

    Quase 80 anos depois da passagem do beato José Lourenço o seu legado em prol da justiça e igualdade ainda permanece. De forma arretada o GRES Alegria do Vilar tem a honra de contar esse causo nordestino, trazendo à tona a história silenciada de um caboclo pobre e analfabeto que revolucionou o sertão, a saga de um povo guerreiro, alegre e de muita fé e clamar por uma reflexão sobre as atuais lutas por terra, por moradia e pelos direitos em nosso país.

    SINOPSE:

    Essa é uma história arretada que eu vou narrá. À primeira vista parece um delírio coletivo decorrente do sol de lascá que queima o sertão. Mas se assunte, que foi por lá pelas bandas da Paraíba que um cabra de fala mansa, homem sereno e tranquilo, bom sertanejo, seguidor dos preceitos divinos veio ao mundo de penúrias, secas e misérias. Filhos de pais negros, ex-escravos alforriados, Zé Lourenço amansador de burro "brabo" pôs a perna no mundo logo cedo, aperreado com a vida que levava foi-se meter com os romeiros e peregrinos que seguia em procissão para Juazeiro do Norte na esperança de encontrar o padim Ciço, homem santo milagreiro dos desvalidos sem-terra nem comida.

    No Ceará iluminado pelos folguedos de São João e reisados, Lourenço se tornou beato penitente no secto dos miseráveis do Cariri. Em 1894, padim Ciço, lhe designa para uma função: em nome da Senhora Mãe das Dores, caberia ao matuto voltar à lida rural, transformar a caatinga em uma terra de fartura, onde tudo que se plantava dava.

    E assim ele fez, com muito trabalho e dedicação. Lourenço liderou o sítio Baixa D'Antas, um lugar onde todos eram bem recebidos, seja homem ou mulher, não havia distinção, pois todos trabalhavam e repartiam os frutos da terra de forma igualitária. Plantavam pomares e culturas de algodão, cereais e outras diferentes qualidades de plantas e hortaliças. Cuidavam dos bichos e produziam artesanatos, pois tudo era de todos. Para lá, Padre Cícero enviava cangaceiros arrependidos, assassinos, prostitutas, as donzelas e quem mais quisesse levar uma vida baseada na fé e no trabalho.

    Mas o período de prosperidade acabou em 1914 com o diacho da Sedição do Juazeiro, na danação dos poderosos foi o povo humilde e decente que encontrou o fel da morte, na Baixa D'Antas a folha de marmeleiro ficou tostada, deixando um rastro de destruição e milhares de desvalidos, doentes e fiapos de gente. Mas, o sertanejo é antes de tudo, um forte, e da mesma forma que um mandacaru flora na seca, a fartura na Baixa D'Antas voltou a reinar. A fama da comunidade começou a deixar os poderosos aperreados e logo começou um forrobodó desgramado de que o beato era na verdade um fanático, herege e curandeiro.

    Como se não bastasse, em 1921, o homem mais rico do sertão, Delmiro Gouveia, deu um boi, batizado Mansinho, de presente ao padim Ciço. Conduzido à comunidade do Beato Lourenço, o boi zebu logo ganhou a fama de "milagreiro". Era um dengo que só com o boi do padim Ciço, adornado com laços de chita e grinaldas, o bichim era adorado pelos fiéis, diziam que da raspa dos seus cascos se curava espinhela caída e dos chifres se faziam unguentos.

    O povo brincava de boi, brincadeira de terreiro, num rala-bucho que durava a noite inteira, em louvação ao boi mandingueiro. Logo que a notícia do boi santo se espalhou pela serra do Araripe ao Crato, a Igreja e os coronéis que eram "farinha do mesmo saco", passaram a comandar uma perseguição ao povo de fé castiça. Dispostos a trazer a civilização para aquela gente mandaram prender o beato Zé Lourenço e dar um fim no culto do ruminante. O religioso foi para a cadeia e o boi bateu a caçuleta na ponta do facão de Floro Bartolomeu em plena praça pública, dizem que o pobre boi Mansinho caiu cambaleante no chão, soltando um urro apavorante, com as lágrimas caindo e a língua roxa estendida para fora da boca.

    Na pátria dos sem-terra, o Beato Lourenço e seus adeptos foram remanchando suas alpercatas pelas estradas empoeiradas da Chapada do Araripe em busca de um local que atendesse ao seu projeto popular de união e igualdade. Sob as ordens do Padre Cícero, a comunidade se instalou nas terras do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto. O local era um oásis em pleno sertão nordestino. No Caldeirão a terra era de todos e ao mesmo tempo a terra era de ninguém. Duas mil pessoas viviam em comunidade, trabalhando em sistema de mutirão, em paz uns com os outros e em harmonia com a natureza, que através do labor, lhes proviam tudo que precisavam.

    O Caldeirão acolhia multidões de miseráveis da seca e dos campos de concentração, irrigando amor, educação e comida na cuia de quem quer que se achegasse. A tão sonhada reforma agrária desagradava a elite boçal da região que começara a perder sua mão-de-obra barata e escrava.

    A desgraceira começou com o fuxico de que o Caldeirão era comunista como os vermelhos da tal União Soviética. A partir daí a coisa ficou feia e até o exército foi enviado para destruir a "nova Canudos". Os camponeses que semeava a vida colheram a morte quando os pássaros de ferro sobrevoaram o lugar e as balas começaram a cair do céu como as gotas d'água que ensopava o chão batido de sangue, aos emboléus sem dar tempo nem de suplicar a Virgem Maria que rogasse pelas almas que estavam sendo massacradas. O Caldeirão ferveu sangue quando o Estado brasileiro disparou bombas através de um ataque aéreo contra o povo nordestino em 1937. Crianças, mulheres, homens, idosos dizimados sem cova, caixão e cruz, escondidos debaixo do manto da impunidade desta pátria mãe pouco gentil.

    O beato seguiu seu destino até chegar em Exu, no Pernambuco, encontrando seu padim Ciço ao lado da Virgem Maria em 1946. Hoje venerado no Juazeiro do Norte, os ensinamentos do beato ainda estão vivos nos movimentos de luta pela terra na região do Cariri e no restante do país. O Caldeirão do beato Zé Lourenço promoveu cidadania, empoderamento e participação social, em busca de um lugar para plantar e colher a verdadeira semente embrionária de uma sociedade justa e fraterna e que por isso incomodou a sociedade de seu tempo, assim como nos dias atuais em que muitos Josés e Marias são silenciados por lutarem pelo direito à terra.

    Com foices, enxadas e facões empunhados, a Alegria do Vilar se une em prol do desenvolvimento sustentável e do bem viver suficiente e decente para as atuais e futuras gerações, defendendo o direito à vida, à liberdade e a preservação da Mãe Terra.

     

    CARNAVALESCO: PLINIO SANTTOS

    TEXTO E PESQUISA: GIOVANE FERREIRA







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